quarta-feira, 23 de julho de 2025

HUMANIDADE FRAGMENTADA

 


Fomos e estamos divididos, e todos, voluntária ou involuntariamente, contribuíram para essa condição. Isso é um fato. As divisões que nos separam foram criadas ao longo do tempo, e levará anos para que possamos reunir cada fragmento. Fomos e continuamos divididos:

Sociologicamente: classes baixas, médias e altas; ricos, pobres; burgueses e proletariado.

Etnicamente: brancos, negros e afro-brasileiros.

Religiosamente: católicos, evangélicos e religiões afro-brasileiras.

Politicamente: direita, esquerda, centro-direita, centro-esquerda, centrão, bolsonaristas, lulistas (coxinhas e mortadela).

Gêneros: heterossexuais, homossexuais, LGBT, LGBTQI+.

E entre essas categorias, há subdivisões que, se listadas aqui, seriam extensas demais para caber nesta reflexão.

Com tantas divisões e subdivisões, fica difícil prosperar de forma coletiva. Algumas dessas partes, por vezes, se fortalecem por atitudes estultas, enquanto outras parecem prosperar às custas do entendimento comum.

Além disso, há uma palavra que, por ser usada e abusada ao longo do tempo, perdeu seu verdadeiro sentido: democracia.

Então, qual seria o antídoto para essa fragmentação? Como podemos, mesmo que não seja possível alcançar uma unidade total, chegar a um consenso global? Aqui vão algumas ideias:

1.       Estabilizar a verdade. Onde falta a verdade, se instala um vazio existencial. O falso empurra para a beira do abismo, aquilo que é autêntico. Impregnar-se do que é verdadeiro, é humanizar-se: a verdade humaniza. A verdade deve ser independente e não partidarista. A verdade não pode pertencer ao etnocentrismo. A verdade não é apenas um conceito abstrato, pelo contrário, é realidade existente. Uma realidade que quando não respeitada, agride. A verdade entorta a lógica do poder corrompido. A Lógica do poder entorta a lógica da verdade. Para alguns, quem está ao lado do poder, está ao lado da verdade e quem discorda do poder, está sem a verdade. A verdade é valor maior do que o poder. A verdade é muito instável. As mídias sociais e os veículos telejornalísticos cooperam absurdamente para isso. Seria necessário extirpar as Fakes News (seria possível?) e responsabilizar quem as espalha. Atualmente a mentira travestida de verdade é o grande lobo predador da sociedade. Não se distingui mais: ambas estão misturadas e separá-las causará danos, mas seria uma forma de estabilizar. Como encontrar essa verdade? Qual o caminho? Será que para discernir a verdade, seria preciso examinar aquilo que favorece a comunhão e promove o bem e aquilo que, ao invés, tende a isolar, dividir e contrapor? Não seria verdade que, a verdade não se alcança autenticamente quando é imposta? Bom, se para descobrir a verdade é necessário não impor a verdade, então é inteligente separar aquilo que não é verdade do que é verdadeiro. Neste sentido a verdade pode ser aquilo que o que se sabe concorda com aquilo que se é. Como dizia Agostinho de Hipona: “verdadeiro é o que é”. Caminhando por esse chão seria possível estabilizar a verdade.

2.       Ressignificar o conceito de Comunicação. Há um autor que muito me instrui no que diz respeito a comunicação: Dominique Wolton. Ele traz a baila a questão importantíssima da comunicação. Wolton nos diz que existe muita informação e pouca comunicação. Para Wolton, informar não é comunicar. A “informação tornou-se abundante: a comunicação, raridade”. A comunicação é uma relação estabelecida entre uma boca que fala e um ouvido que ouve. Muito provavelmente, a informação-notícia seja uma das principais razões para não se descobrir a verdade. A notícia tem o compromisso com a agenda que a está veiculando e não necessariamente tem a intenção de trazer uma informação verdadeira. Para certos veículos telejornalísticos, verdade é o recorte que eles fazem da notícia. Assim perde-se o compromisso com a comunicação cuja base é uma relação autêntica, verdadeira. Dentro deste contexto, o jornalismo atual tem grande parcela de responsabilidade nessa comunicação. A informação que mais desinforma do que informa, provoca um Frankestein de narrativas e daí nascem as fakes News. No livro, Pós-verdade e Fake News: Os desafios do jornalismo na era do engano, os autores Edomm Hezrom Isabela Moreira, afirmam:

Todo câncer começa em uma célula. Nossos corpos são feitos de mais de bilhões de células. O câncer começa com pequenas mudanças em uma célula ou em um pequeno grupo de células, de acordo com o Cancer Research Uk. O que ocorre no organismo é que o radar do corpo humano não consegue rastrear as células cancerosas, que passam a ser vistas como células normais.  As fakes News, tal como células cancerígenas, crescem rapidamente. Enganam o sistema de informações e matam a credibilidade das pessoas no jornalismo”.

3.       Renunciar à ideologia patológica. Não falo em renunciar a “ideologias”, mas em renunciar as ideologias patológicas. Quando usamos, hoje, 0 termo ideologia, empregamos um conceito que carrega os traços, embora desbotados, dos muitos usos que caracterizaram sua história. o termo "ideologia" foi primeiramente usado pelo filósofo francês Destutt de Tracy, em 1796, para descrever seu projeto de uma nova ciência que estaria interessada na análise sistemática das ideias e sensações - na geração, combinação e consequências delas. Ideologia deveria, pois, ser "positiva, útil e suscetível de exatidão rigorosa". Genealogicamente, seria a "primeira ciência", pois todo 0 conhecimento científico envolveria a combinação de ideias. Hoje as ideologias não estão a serviço da ciência, mas do interesse de seus partidos travando assim, o caminho da verdade. A única verdade que as ideologias possuem, é a verdade de cada ideologia. E se porventura os ideólogos renunciassem uma boa parte de sua ideologia para que a verdade, e por verdade falo daquilo que poderia beneficiar o todo? E se a ideologia fosse apenas um conjunto de ideias sistematizadas, estudadas e debatidas por todos? Tendo assim uma única finalidade: a unidade que engravide de verdade.

Utopia. 

4.       Educar a fala e asfixiar a opressão. Há quem diga: quem cala consente. Será? Será que silêncio também não é recusa? Medo? Extorsão? O silêncio pode ser contestação muda. As pessoas podem estar em silêncio porque podem estar sendo ameaçadas. Escravos calavam-se por receio do chicote de seus senhores. Sociedades se calam por medo de ditaduras. Estudantes se calam por medo de professores. Assim, nem sempre quem cala, consente. Lyotard afirma: “Calar-se por decisão livre não é falha, mas impor silêncio ao outro é introjetar-lhe o terror. Quem cala, as vezes, fala. É preciso educar a fala se quisermos diminuir a distância que a desigualdade nos impôs. Para isso o ser humano deve exercitar a sua criticidade. Sem criticidade, o ser humano perde a respiração racional. É preciso liberdade para falar e se não houver liberdade de fala, não há espaços éticos. A liberdade acelera a ética e a ética na prática potencializa a liberdade. É preciso revoltar-se contra a opressão. Revoltar-se não é voltar-se ao passado, mas resgatar o que lhe foi roubado, reciclá-lo e mandá-lo de volta. Revoltar é devolver. As opressões precisam de respostas a altura ou então, ela sempre nos manterá por baixo. É preciso educar a fala e asfixiar a opressão. O sistema autoritário atribui a revolta um sentido negativo, mas há um sentido construtivo na revolta e é quando o “’revoltado” da de volta os objetos que lhe foram impostos para embargar a voz. A fala é direito de todos, inclusive de quem não fala.

Conclusão.

A verdade é um conceito construído por várias mãos, cores, pensamentos — sem necessariamente uma divisão clara. O desafio da verdade é que ela resolve alguns problemas, mas também cria outros. Ainda assim, acreditamos que o caminho seja justamente esse: problematizar os termos e conceitos que usamos.

Lembremo-nos de que problemas não precisam ser resolvidos de imediato; eles existem para serem dissolvidos lentamente, com paciência e reflexão. Quem sabe assim, ao longo desse processo, possamos encontrar uma verdade que nos una mais do que nos separa.

 

 


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