quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

A Verdade vos fará livre (O Jesus da Mangueira)





"Todo aquele que o Pai me der, esse virá a mim; e o que vem a mim de maneira alguma o excluirei"

(Ev. João 6.37)



Eu tô que tô dependurado

Em cordéis e corcovados
Mas será que todo povo entendeu o meu recado?
Porque de novo cravejaram o meu corpo
Os profetas da intolerância
Sem saber que a esperança
Brilha mais na escuridão

(Trecho da letra do enredo da Escola de samba mangueira)

Até ontem (terça-feira) não havia assistido o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro (geralmente não assisto), mas devido a vários comentários em torno do desfile e da letra do enredo, me assentei para assistir.

Muitas cores, musica, dança e um grito sociológico de cunho também religioso, ecoava na avenida. Na comissão de frente da bateria, uma mulher, vestida de um azul belo, carregando em sua cabeça uma coroa de espinhos artesanal, carregando no peito a plenos pulmões o trecho do enredo que dizia: "O Jesus da gente". A rainha da bateria Evelyn Bastos representou Jesus como mulher e a comissão de frente mostrou um Jesus pobre e com apóstolos negros. O samba cita um Jesus de “rosto negro, sangue índio, corpo de mulher”, e menciona “profetas da intolerância” que não sabem que a “esperança brilha mais que a escuridão”. Ainda dentro do pano de fundo sociológico, a escola também organizou a ala “Bandido Bom é Bandido Morto”, mostrando a violência diária cometida como política de governo contra jovens pobres e negros no Brasil. Também para deixar claro a intolerância do Brasil de Bolsonaro, a ala das baianas remetia a religiões de matrizes africanas, enquanto um grupo lembrando a personagem bíblica Maria Madalena levava uma placa com o arco-íris LGBT,  dizendo “Vai tacar pedra?

De fato um espetáculo bem montado e com objetivos bem definidos. O grito da escola de samba deixa claro: "Nós também temos o nosso Jesus!". Um Jesus negro, descriminado que também sofre racismo, mas também um Jesus da favela, de gente pobre desprovida de assistência e muitas das vezes, entregue a criminalidade ou a mercê dela. Eis ai, o Jesus da comunidade LGBT, descriminados por optar por uma orientação sexual diferente da conservadora ou do conservadorismo. A mensagem clara é: "Nós também temos o nosso Jesus". O Jesus da mangueira, é o Jesus que se identifica com todas as classes sociais, principalmente com os menos favorecidos. O Jesus da mangueira, pode ser visto no rosto do negro, da mulher vitima de violência, do garoto arrastado pelo crime e morre com o corpo crivado de balas. O Jesus da mangueira está impresso no rosto do menino do "buraco quente", do "garoto pelintra". O Jesus da mangueira não está em tronos, mas nas ruas, nas favelas, nos guetos, nas vielas, nos bares e etc. 

Ora, é claro que o Jesus dos evangelhos está aberto a todos. Ele mesmo disse: "Vinde a mim todos vós que estais cansados e sobrecarregados e eu vos aliviarei..." (Ev. Mateus 11.28 - 30). É absolutamente aceitável que ele receba todos esses citados pelo enredo da mangueira: pobres, negros, índios, gays, os que moram em favelas, a mulher que sofre violência dos homens embrutecidos, em fim, Jesus de fato e de verdade está ai, identificando-se com o sofrimento humano. O Jesus que anda na periferia é de fato o Jesus que no evangelho, andava entre os pobre e aqueles escorraçados pela religião petrificada e os clero corrompido. Quando dizem: "Os profetas da intolerância Sem saber que a esperança Brilha mais na escuridão", estão cobertos de razão! Há muita intolerância e pouco diálogo.

Particularmente, depois de ter assistido e procurado entender a postura e a mensagem do enredo da escola, acredito que há uma demanda social e humanitária no Brasil que deva ser assistida. Urge uma aproximação equilibrada entre Igreja e sociedade em suas mais diversas manifestações e orientações. Há um grito vindo do sambódromo! Um grito recheado de revolta e de criticas a sociedade conservadora do Brasil e disto, não resta a menor duvida. Vivemos em uma sociedade pluralista e assim, não podemos nos esquivar de tal realidade.

Mas, há um outro lado da história que não foi contada no sambódromo e nem na letra do enredo da escola de samba mangueira e é sobre isso que falarei no artigo seguinte.

Bora lá?


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