sábado, 23 de julho de 2022

48 anos: Não sei dançar conforme a música.


 

I`II Be Up The Sun/I`m Not Coming Down

Ficarei lá em cima com o Sol; não vou descer.

U2

Quarenta e oito anos e descobri algo que, neste momento, embora bobo e inocente, é para mim uma descoberta real: não sei dançar conforme a música. A expressão popular; dançar conforme a música, significa, viva conforme o contexto exige, amolde-se ao pensamento atual, vá na mesma via que todos vão, siga o que exige o momento.

Chego aos quarenta e oito anos e descobri que não consigo viver assim. Não dá para fechar os olhos, não dá para fingir, não dá para fazer de conta, não é possível trair a si mesmo. Chega um momento na vida que a realidade é tão gritante que engole a música barulhenta da ilusão. Há momentos que não é possível acompanhar o fluxo e acredite, não ignoro o fato de muitas das vezes ter que ser assim, não ignoro, não sou tonto, não sou alienado, vejo tudo ao meu redor e sei como funciona, só não quero me submeter (...) não aceito a violência psicológica e emocional como algo comum na atualidade. Me ponho contra o estupro moral, me ponho com atrevimento diante do secularismo que afronta e relativiza a minha fé. Me contorço diante de um sistema evangélico vendido à uma teologia que nega a Soberania Divina e que o torna escravo dos caprichos, desejos e exigências de um povo cuja demanda secular obriga-os a viverem “conforme toca a música”. Sinto náuseas diante do mal! Há vômitos crônicos diante do mal que se veste de bem. Há um aperto no estomago quando vejo o inocente sentir duvidas da ternura. Me maltrata caminhar entre pessoas que desejam viver como se Deus não existisse ou como se Deus fosse um xamã.  Fico condoído com pessoas que só pensam no vil metal (não estou negando a sua importância, estou denunciando a sua centralidade). Não sei fazer caras e bocas, minha máscara não prega no rosto, se desfaz rapidamente. Meu olhar me denuncia, meu rosto fechado me condena, meu silencio é arma que me lança sentença: esse não é dos nossos. Pois bem: não sei dançar conforme a música.

Quando se sai, de súbito da luz do Sol, corre-se o risco de penetrar na penumbra da escuridão. O Mundo é um lugar arriscado e há perigo na esquina. No entanto, isolar-se dos extremos é uma posição sábia. Resta-nos viver, não na contradição, mas na coexistência ou na realidade da coexistência das coisas: a luz coexiste com as trevas, o mal coexiste com o bem (...) é mais ou menos isso. Não se contaminar é o grande desafio e com isso não estou dizendo que cairemos na idiotização, pelo contrário, conviveremos com os idiotas, sabendo que são idiotas. Por idiota refiro-me a essência do termo: fechado em si mesmo, seguindo o seu curso impoluto.

Ao tolo, basta a sua própria tolice. Ir em direção ao tolo e demovê-lo do seu caminho é como segurar um cão agressivo pelas orelhas.

Chego aos quarenta e oito anos bem mordido, bem mastigado – nisso quase perdi a vida, essa vida bios.

- Você tem que andar conforme o fluxo que o rio manda! Diz alguns.

- Dance conforme a Música! Dizem outros.

- Tolere e tire vantagem! Grita outro acolá.

- Aproveite e depois vomite no banheiro, isso passa! Ainda dizem terceiros.

- O importante é que você vai viver bem! Insinua o medíocre.

- O amor pouco importa, depois você aprende a amar! Fala o interior comido pela arrogância.

É estupido! É absurdamente estupido! É subumano! É escravizante! É negar a pessoalidade, a personalidade (...) é negar o que se é.

Há um sistema voltado para esse estilo de vida que, diga-se de passagem, não é vida. Viva ao dinheiro fácil! Venda-se ao mercado, renuncie seus princípios – abandone seus valores.

As pessoas acreditam que para viverem felizes precisam abraçar o secularismo. Acreditam que precisam entrar na “onda”, precisam estar na mesma Vibe. Assim, passam a viver uma existência de aparências.

Não consigo andar na mesma Vibe para ser aceito.

Não me enquadro no jogo.

Não pertenço a isso.

O sentimento de pertença, pertence a ordem da conquista e não da sedução. Seduzir não é conquistar (...) seduzir é arrastar pela boca, com um anzol, afim de ser devorado.

Não nego também a dura luta travada entre a fome (a isca no anzol) e a abstinência da vontade de comer (Desejo). Fico, porém, com a realidade de que ambas existem e fazem parte dessa nossa estrutura humana. Viver em um mundo aonde temos que escolher entre carne (natureza) e espírito (essência) é um exercício desgastante uma vez que ambos existem e, embora possam ser colocados em seu devido lugar, seria uma imbecilidade negá-los.

Com tudo isso, mesmo assim, não consigo dançar conforme a música.

Mesmo entendendo e ficando perplexo diante de tantas contradições, recuso-me a dançar conforme a música.

Sigo entendendo essa dualidade, sondando-a todos os dias, compreendendo-a e convivendo com ela da melhor forma possível, sempre afirmando-a, nunca negando-a, mas atento aos dois lados.

Não sei dançar conforme a música. Escolhi o lado mais difícil, mas não o escolher também seria difícil: qualquer caminho será difícil. Com quem você vai no caminho, isso importa.

Eu creio em um Cristo que dança, mas não conforme a música: sigo dançando com ele então.


 

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