sábado, 23 de julho de 2022

Bem aventurados os Lentos.

 


O dia a dia está contaminado por uma obsessão: tenho pressa, tempo é dinheiro. Assim sendo, não há tempo a perder. Portanto, corra! Alcance as metas o mais rápido que você puder e após alcançá-la, outra meta lhe espera. Nada de parar (...) erga-se, avante! Espante a sensação de cansaço, mande para longe as dores, apresse-se! Há resultados a serem conquistados (...)

A cada passo parece que a vida nos põe uma nova meta de forma que nós não podemos fixar nada. É necessário permanecer contatável a qualquer momento.

De repente estamos ofegantes.

Cansados, gestamos a procrastinação.

Passamos por cima das agendas organizadas e ficamos com a sensação de que nada fizemos embora estejamos sempre em atividade. Quando a meta é o futuro, perdemos o presente. Quando o passado deixa de ser referência (no caso aqui sempre de algum lugar que queremos, ou não chegar) o destino torna-se incerto. 

...e outras situações que mereceriam nossa atenção, ficam para trás. 

Deixamos coisas pelo caminho porque sempre estávamos apressados.

A vida ficou condicionada ao "corra", acelere! Rápido!

Dessa forma, nessa pressa, não comemos o fruto da árvore que plantamos. Não desfrutamos de sua sombra. Não cheiramos as suas flores e não damos conta da cor de suas folhas. Dessa forma perdemos o pôr do Sol, esquecemos das estrelas, afundamos no ativismo.

Criamos um caso de inimizade com o tempo.

...e por isso ele se posiciona contra nós, embora nunca esteja contra nós necessariamente. Somos nós que tendo o tempo, ignoramos o fato de que ele passa, mas ele sempre será tempo e com o tempo, nós também passamos e, diferente do tempo, nunca mais seremos nós mesmos.

O apressado não faz anotações: ele rascunha, rabisca...

O apressado não se dá conta das flores no caminho, das cores, do sorriso breve de uma criança - da necessidade do outro. O apressado não ouve com exatidão porque quer logo responder. O apressado é presa fácil do predador que vive ao lado - desapercebido, logo é devorado. O apressado não degusta: põe na boca. Não mastiga: engole. Ávido por ter que sair correndo, o apressado cuida ser um sucesso, ter a agenda lotada e embora não lhes sobre tempo para nada, orgulha-se de muito fazer sem produzir nada.

O apressado, o prospero apressado, orgulha-se de voltar para casa com dinheiro, mesmo que chegue muito tarde, embora isso custe o carinho aconchegante do filho que cansado de esperar, esmorece e dorme. No entanto, o apressado não está preocupado com isso uma vez em que ele está oferecendo aos seus uma "vida boa". Ignora, o apressado que, a "vida boa" as vezes é o colo, o olho no olho, o abraço, o sorriso desconcertante, a piada sem graça (...)

Assim, digo: bem aventurados os lentos!

É...

Quem quiser distorcer a minha reflexão, fique à-vontade, afinal de contas, para se defender da verdade vale tudo, não é?

Bem aventurados os lentos! Os que embora saibam que tem que chegar, não atropelam ninguém para isso. Os lentos geralmente não são precipitados, mecânicos, automáticos, impulsivos. Os lentos são reflexivos, demoram, é verdade, mas são extremamente capazes. 

Bem aventurados os lentos porque vivem! Passam pelas flores e as tocam. Esses sabem a cor dos olhos de seus próprios filhos. Conhece-lhes o cheiro, sabem a tonalidade de sua cor. 

Bem aventurados os lentos! Pois eles tem tempo para chorar, humanizar-se. Eles possuem a capacidade de reconhecer seus erros e acertos - esses veem o nascer do dia. Sim! Bem aventurados os lentos porque podem se olhar no espelho e ver seu próprio rosto que mudar com o passar do tempo. 

A lentidão é uma arte.

Irei repetir: quem quiser distorcer a minha reflexão, fique a vontade.

O lento, senta-se a margem do rio.

O lento, pode passar os olhos sobre o mar.

O lento, sabe amar com cuidados.

O lento, não procura: acha.

Bem aventurados os lentos! Esses são velozes, não precisam de pressa.

Esses não discordam do tempo, na verdade, acompanham-no (...) 

Bem aventurados os lentos! Eles purificam o tempo, valorizam os detalhes, acolhem as coisas pequenas e muitas das vezes, quando ofendidos, brincam com os fatos. 

Sim! Bem aventurados os lentos! Para esses, a vida não precisa ser um peso e a preocupação não é apenas ganhar e levar vantagem em tudo. Eles, os lentos, não precisam provar nada para ninguém porque, muitos deles já são bem resolvidos consigo mesmo.

Por tudo isso, embora haja dor diante da ofensa, aos lentos resta a imensa vantagem de serem livres das cordas que prendem os apressados.

Respeitando uns aos outros, se possível, sigam.




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