quinta-feira, 8 de outubro de 2020

O Logos Heracliano

 


De todas as ideias e ensinos de Heráclito desejo fazer uma abordagem do logos que é extremamente intrigante e desafiador. É uma tarefa nada fácil essa de entender o logos na mentalidade de Heráclito, pois seu pensamento é meio obscuro. No entanto vamos tentar conceituá-lo com a ajuda de alguns pensadores.

* Heidegger.

Quanto a Heráclito, Heidegger opina que talvez seja o que ele pensa sobre o logos, o que há de mais obscuro no seu pensamento já tido desde a Antiguidade como obscuro. Para Heidegger o sentido originário do logos foi esquecido sendo substituído pelo que os gregos desde cedo compreenderam por dizer, discursar, falar sobre. Mas para ele logos esse não seria o sentido originário. No pensamento grego em Platão e Aristóteles, o perdeu a sua conexão íntima com a physis, natureza; a partir daí tornou-se proposição, isto é, um dizer sobre algo. Mas mesmo antes de Platão e Aristóteles já existia a noção de Logos. Desde o seu nascimento o conceito lógos esteve atrelado ao conceito leigen significando assim, dizer, falar.

Essa relação entre logos e leigen fez com que o logos perdesse o seu sentido original. Heidegger busca a significação originária da palavra logos que logo implica em ir também em busca da originaridade da palavra leigen. Antes de qualquer definição que se relacione com a ordem da linguagem, leigen tem um sentido primeiro que podemos encontrar em Lesen alemão: Colher (lesen) recolher (sammeln). Sendo assim o sentido primeiro de logos é colheita. O Logos vem de leigen que significa contar, dizer, mas também “reunir, escolher, recolher”. Podemos concluir que as expressões palavra e dizer carregam o mesmo sentido de colher: Leigen.

A percepção do homem nessa coletividade que abriga e recolhe se dá em silencia. O silenciamento do ser possibilita nomear a palavra originária da qual fala a linguagem. Somente o leigen, enquanto coleta recolhida do silêncio é possível em si mesmo, isto é, enquanto palavra originaria. Toda relação estabelecida pelo ser humano em fase dos entes, de outros seres humanos e deuses, afirma Heidegger, reside na possibilidade do silêncio. O logos não é palavra, mas é mais originário que a palavra e é ao mesmo tempo a palavra preparadora de toda linguagem.

A palavra logos é o silêncio da quietude que só se quebra quando a palavra tiver de ser, pois é para esse silêncio que vigora a essência da palavra. Nesse sentido um dos caminhos de acesso ao logos originário, segundo Heidegger, é a escuta. Para o filosofo alemão, a escuta obediente necessita de um recolher-se ao apelo da fala, a fala mais profunda e silenciosa do sentido do ser, manifestada pelo logos

* Donaldo Schuler

Logos designa muita coisa. Homero emprega o verbo lego, da mesma raiz de Logos, para o processo de recolher alimentos, armas e ossos, para reunir homens. Cada uma dessas operações implica comportamento criterioso; não se reúnem armas, por exemplo, sem as distinguir de outros objetos. Logos significa reunir determinadas coisas debaixo de certos critérios. Armas misturadas com ossos sem nenhum critério não formariam logos, provocariam sentimento de desordem, caos. Logos corresponde, portanto, ao com-um, não de palavras apenas, mas também de seres. Logos não se restringe, entretanto, à ordenação dos seres, ele estende vínculos, com o mesmo vigor em palavras. Surge assim o discurso verbal. Sem logos não há discurso: há, quando muito, amontoado caótico de palavras. (Schuler, Donaldo, 1932. Heráclito e seu (dis)curso. Porto Alegre: L&PM Pocket / p.17 e 18).

* Dr. Jorge Pinheiro (Doutor em Ciências da Religião).

O logos de Heráclito é o “princípio supremo de unificação, portador do ritmo, da justiça e da harmonia que regem o universo”. Heráclito considerou o logos dotado de dois princípios internos contrário a operar antropomorficamente guerra e paz (discórdia e concórdia). Portanto o logos concebido por Heráclito como uma lei natural ordenadora, a tudo comanda em forma dialética. Assim para a filosofia grega, logos era o principio da inteligibilidade da razão. O conceito razão relaciona-se a três outros: essência, existência e essencialização. A essência não é apenas aquilo que uma coisa é, mas também aquilo que faz com que uma coisa possa ser. O Logos é a origem da razão e também do ser.

O logos e a Divindade

Nos fragmentos, Heráclito atribui ao logos outros nomes. Assim no fragmento 64, o logos é chamado de keraínos, que significa: raio, relâmpago. Já vimos que é sob os clarões efêmeros dos relâmpagos, que o raio libera o que brilha para a sua aparição. Esse brilho tem o fulgor dos relâmpagos. Sendo assim, na medida em que as coisas são desveladas, elas são conduzidas para seu destino, ou seja, para a morada de sua essência. Heráclito exprime isso quando afirma no fragmento 64 “que o raio governa todas as coisas”. O “raio” (keraínos) pode ser considerado um outro nome do logos. Que o raio seja visto como divino, não é de estranhar, porquanto, para Heráclito, o fogo é a arché originária de todas as coisas. Nas metamorfoses do fogo há uma presença imanente do Divino. Esta imanência que se transcende e esta transcendência que é imanente tornam muito ambíguo o sentido que o Divino tem para Heráclito.

Imanente, ele reúne em si todos os contrários. 

Por ventura, um certo João, chamado o Teólogo e discipulado amado, não começou seu relato sobre o Cristo falando: "No Principio era o Verbo (Logos)".

 



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