terça-feira, 30 de março de 2021

Ansiedade: Uma Perspectiva Filosófica.

 


E nenhum Grande Inquisidor tem à sua disposição torturas terríveis como tem a ansiedade, não existe um espião que, com mais mestria, saiba atacar o homem de quem suspeita, escolhendo o momento em que está mais fragilizado, ou saiba como melhor dispor armadilhas com que detê-lo e capturá-lo como faz a ansiedade, não existe juiz sagaz que interrogue ou interpele o acusado como sabe fazer a ansiedade, que jamais o deixa escapar, seja por desvio de atenção, seja por arrocho, quer por trabalho, quer por recreação, já de dia, já de noite. 

Søren Kierkegaard


A pauta sobre a ansiedade sempre esteve em discussão e nestes últimos dias, ela surge avassaladoramente como um dos vilãos em um mundo pandêmico. 

Quem nunca ficou ansioso? Quem nunca se angustiou? Quem nunca sofreu por antecipação? Quem nunca sentiu-se dividido? Nessa divisão, quem nunca teve suas partes divididas querendo ir para lugares diferentes? Quem nunca chorou com a presença de todos os sentimentos fragmentados dentro de si?

Todos nós, sem sombras de dúvidas.

Isto descrito acima, é aquilo que chamamos de ansiedade.

A palavra ansiedade, vem do grego - merimnáō  e significa,  "dividido em partes" (figurativamente) "se despedaçar" porque se separou (em direções diferentes). O ser ansioso é alguém que se encontra (provavelmente ele não seja ou seja) dividido.

A ansiedade bifurca o ser.

Projeta o ser humano em direções múltiplas, embora ele queira ir apenas para um lugar. 

A ansiedade é terreno escorregadio.

É ficar tonto - dizia Soren Kierkegaard.

Diante da Liberdade, o ser humano quer "partir de si para além de si".

A grande questão dessa liberdade e esse "partir" é que, o filosofo Jean Paul Sarte disse: "L'homme est condamné à être libre, condamné parce qu'il ne s'est pas créé, et pourtant il est libre. Dès qu'il est jeté au monde, il devient responsable de tout ce qu'il fait".  "O homem está condenado a ser livre, condenado porque ele não criou a si, e ainda assim é livre. Pois tão logo é atirado ao mundo, torna-se responsável por tudo que faz". Em Sartre, a liberdade não é uma qualidade ou característica a mais no homem, como se, além de ser homem, se fosse livre. O homem é livre, liberdade e homem são a mesma coisa na filosofia sartriana.

Aqui, diante dessa liberdade e da responsabilidade que a acompanha, nasce a angustia, irmã gêmea da ansiedade.

É dolorido.

É desesperador, dizia Kierkegaard. 

Nessa linha de pensamento, Kierkegaard estende a reflexão, dizendo: "A angústia é a possibilidade da liberdade. É o medo dessa possibilidade. A angústia é o puro sentimento do possível".

Assim sendo, diante de algo - que pode ou não pode - nasce a ansiedade.

A ansiedade causa o dilema que faz com que o ser ansioso antecipe o futuro ou tente antecipar o futuro com todas as suas imprevisibilidades. 

O ansioso sofre por antecipação.

O ansioso possui uma coragem-medrosa.

É ousado e ao mesmo tempo precavido.

Esse dualismo causa a confusão.

É como querer voar tendo os pés preso ao chão.

O ser humano ansioso possui um olhar observador, inquietante - sai em busca da verdade. No entanto, o grande desafio é dar os primeiros passos sem querer voltar - a estrada do retorno é mais longa do que a da partida.

Angústia!

Angústia existencial.

A Angústia não mente - dizia Lacan.

A angústia vai até o ponto do quase insuportável! Chegando ai, neste ponto, a ansiedade é ativada de forma potencial ou seja, a angustia potencializa a ansiedade.

O ser humano ansioso anda na ponta dos pés e desenvolve um medo crônico.

A ansiedade é um espião - dizia Kierkegaard.

O grande medo nascente da ansiedade é o medo de despedaçar-se.

O medo, o receio de sua subjetividade ser sequestrada.

Observe: a ansiedade não é uma doença, mas um estado emocional que está sob pressão constante. Essa pressão constante sim, pode gerar algum transtorno e por consequência alguma doença.

A ansiedade é uma prisão - dizia Kierkegaard.

Prisão é limitação.

Fronteira de onde não se pode ultrapassar.

A ansiedade vive neste dilema.

Aqui a ansiedade caracteriza-se pelo: "eu posso pois estou diante da possibilidade de poder, mas e SE?"

Esse pequeno advérbio de dúvida, aqui, neste contexto, faz toda a diferença.

Se não vier conforme eu quero?

E, quando vier?

Quando vai vir?

Quando chega?

Como vai chegar?

Surge então as interrogações esquizofrênicas.

Assim, o ser ansioso fica dividido em partes.

Quer ir para todos os lugares ao mesmo tempo e nunca sai de onde está.

O que fazer?

Há cura para a ansiedade?

Isso é conversa para um outro momento.




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